O hatch 100% elétrico tem pouco apelo de vendas, mas exibe a tecnologia e o pioneirismo da marca
Desde seu lançamento no Brasil em 2019, o Nissan Leaf vem cumprindo seu papel à risca. A missão do hatch médio 100% elétrico sempre foi valorizar tanto a imagem quanto a capacidade tecnológica da marca. Foi ele quem estreou no Brasil o conceito V Motion 2.0, que se caracteriza por uma guarnição em V, no caso, em preto brilhante, contornando a parte inferior da grade. Esse estilo foi aplicado ao sedã Versa e ao SUV Kicks. Lá fora, o hatch já ultrapassou a marca de 500 mil unidades vendidas, em 10 anos de mercado – as vendas efetivas começaram em 2011. A primeira geração, que foi até 2017, vendeu 300 mil exemplares, com uma média próxima a 45 mil unidades por ano. A geração atual, em pouco mais de três anos de mercado, já emplacou mais de 200 mil unidades, com média de acima de 60 mil unidades por ano. O crescimento dos modelos elétricos, no entanto, pouco repercute no mercado brasileiro. O Nissan Leaf, desde sua chega em março de 2019, emplacou apenas 175 unidades por aqui.
O preço, fermentado pela alta do dólar, certamente tem muito a ver com isso. Quando chegou dois anos atrás, o modelo custava R$ 195 mil. Atualmente, a versão única Tekna é vendida por R$ 277.990. Além do valor pedido, os carros elétricos enfrentam outros entraves, como a falta de estrutura para o carregamento oferecida, mesmo nas grandes cidades. É prescindível que o usuário de um veículo elétrico disponha de um carregador doméstico e seja disciplinado para plugá-lo na tomada quando estiver parado na garagem.
O modelo vendido no Brasil, produzido na fábrica japonesa em Yokohama, traz um motor elétrico que gera uma potência de 110 kW, o equivalente a 149 cv, alimentado por um conjunto de 24 baterias de íons de lítio que totalizam 40 kWh de capacidade. Elas ficam instaladas no assoalho do carro. Uma carga completa é suficiente para rodar 240 km na medição da agência norte-americana EPA – que inclui uma dose maior de ciclo rodoviário, por conta de vias expressa, ou 270 km no protocolo europeu WLTP, que é eminentemente urbano. Nos principais mercados, o Leaf ainda é oferecido com uma motorização mais forte, de 160 kW ou 217 cv, e baterias com capacidade maior, de 62 kWh, com autonomia de 320 ou 360 km.
O Leaf tem itens de conforto e controle dinâmico comparáveis aos de um hatch médio bem completo. Estão lá ar-condicionado automático, iluminação full led, acabamento em couro, volante multifuncional, controle de cruzeiro, controle de tração, de estabilidade, assistente de partida em rampa, seis airbags, sistema multimídia com tela capacitiva e conexão Bluetooth, câmera de ré 360º com sensor de obstáculos, entre outros. Até aqui, tudo muito familiar aos carros convencionais.
Além disso, o Leaf traz os controles específicos para gerenciamento dos sistemas elétricos. São dois modos de condução: Eco, que libera a potência seguindo a lógica de autonomia máxima, a Normal, que se equilibra entre desempenho e economia. Uma terceira forma de configurar o Leaf é através do câmbio na posição B, que acentua o freio motor, que amplia a recuperação de energia, mas também ajuda na condução mais esportiva. Um outro recurso que afeta as reações do hatch elétrico é o e-pedal, que também aplica freio-motor toda vez que o acelerador é aliviado, a ponto de ser quase dispensável o uso dos freios na condução urbana. Todas essas configurações e reações são mostradas no painel digital em TFT. (Texto e Fotos: Eduardo Rocha/Auto Press)
Ponto a ponto
Desempenho – Apesar da associação comum das ideias de carro elétrico e condução parcimoniosa, o Nissan Leaf tem capacidade de oferecer um comportamento até esportivo. O motor elétrico rende bons 149 cv de potência para um carro com 1.557 kg. A conta de kg por cv não é tão favorável: são 10,5 kg/cv. Mas os 32,6 kgfm de torque instantâneo – a rigor, leva 0,1 segundo para chegar a pleno – dão uma enorme agilidade e poder de aceleração ao modelo. A máxima é modesta, de apenas 144 km/h, mas a aceleração é de instigantes 8,6 segundos no zero a 100 km/h. Nota 9.
Estabilidade – O sistema suspensivo do Leaf é bem simples: McPherson na frente e barra de torção atrás, com barras estabilizadoras nos dois eixos. Mas a lógica de construção, com 320 kg de bateria no assoalho entre os eixos, centraliza as massas e rebaixa o centro de gravidade. Por isso, é muito estável nas curvas e praticamente não apresenta rolagem de carroceria. As mudanças de direção perdem um pouco em agilidade por conta do peso do modelo, mas é extremamente neutro e controlável. Nota 9.
Interatividade – Há várias configurações para mudar o comportamento do Leaf, tanto pelo modo de condução quanto pela posição do câmbio ou até pelas reações do e-pedal. No mais, é um carro moderno e bem equipado, com volante multifuncional com controles de telefone, som, controle de cruzeiro e computador de bordo. Basicamente, os comandos são intuitivos. Nota 8.
Consumo – Pelo cálculo da Nissan, o custo de rodagem do Leaf é equivalente a um terço do que teria um modelo moderno equivalente em potência e tamanho. Pelo InMetro, o consumo de energia foi equivalente a 0,58 Mj/km, com nova A na categoria e no geral. Para dar uma ideia, o carro a combustão mais econômico do país é o Onix 1.0 com câmbio manual, que tem um consumo de 1,34 Mj/km. Com a carga completa, o Leaf é capaz de rodar 240 km no padrão americano – no qual o modelo brasileiro de consumo se baseia – ou 270 km, no novo sistema europeu WLTP. Nota 10.
Conforto – O Leaf se vale do bom entre eixos de 2,70 metros e de todo sistema motriz, que deixa um ótimo espaço para a cabine. Já os recursos são semelhantes aos de um hatch médio. A suspensão é rígida, até para lidar com o peso do veículo, e não filtra tanto as irregularidades quanto seria desejável. Por outro lado, o silêncio de rodagem impressiona. Em um pavimento de boa qualidade, parece flutuar de tão confortável. Nota 8.
Tecnologia – A evolução dos softwares e hardwares anda rápido, ainda mais em um setor que recebe investimentos pesados de todas as marcas como o de mobilidade elétrica. Por isso, a capacidade e o tamanho das baterias dos novos modelos vêm melhorando muito e o Nissan Leaf já não é tão moderno como quando foi lançado, há quatro anos. A própria Nissan está apresentando o SUV Ariya, com duas versões, uma de 63 e outra de 87 kWh, com autonomias de 360 e de 500 km no ciclo WLTP, nas versões com um motor elétrico. Já em relação aos recursos de segurança, o Leaf ainda se mantém atualizado. Ele oferece sistemas de segurança avançados como seis airbags, alerta de colisão com frenagem automática, monitoramento de faixa de rolagem, etc. Além de recursos mais comuns, como controle de estabilidade e tração, assistente de partida em rampa e monitoramento da pressão dos pneus. Faltam, porém, sistemas como controle de cruzeiro adaptativo e sensor de ponto cego. Nota 8.
Habitabilidade – O espaço interno é maior que o oferecido por um hatch médio convencional. Tanto pelo pouco espaço que a motorização ocupa quanto pelas medidas. A boa altura de 1,57 metro cria uma amplidão interna que incrementa o conforto. Há diversos nichos no habitáculo para acomodar objetos de uso imediato e o porta-malas comporta bons 435 litros de bagagem e passa para 1.176 litros com os bancos traseiros rebatidos. Nota 8.
Acabamento – O interior do Leaf é moderno e agradável, mas falta requinte para justificar um preço de quase R$ 280 mil. Há revestimento em couro nos bancos e no apoio de braços nas portas, mas todos os painéis são em plástico rígido. Nota 7.
Design – As linhas do Leaf dominaram os modelos mais novos da Nissan lançados a partir de seu lançamento, o que esvaziou um pouco a personalidade de seu desenho. Por outro lado, não provoca a mesma rejeição que ocorria com a primeira geração do modelo. O teto alongado valoriza a horizontalidade do modelo e cria a sensação de que o Leaf é maior do que seus 4,48 metros de comprimento e o conjunto é bem equilibrado. Nota 8.
Custo/benefício – Na ponta do lápis, não há como justificar o valor de quase R$ 280 mil por um hatch médio. Mas o alvo do modelo não é a lógica simples, mas a evocação de um conceito de sustentabilidade, que pode ser institucionalmente interessante para algumas empresas ou pessoas. Atualmente, já há uma grande oferta de modelos totalmente elétricos no mercado, a maior parte de marcas de luxo – o que revela muito sobre a imagem de carros elétricos no Brasil. Entre os modelos de marcas generalistas, o Leaf regula em preço com o Chevrolet Bolt, que é menor, mas tem motorização mais potente, maior autonomia e recursos semelhantes. Nota 7.
Total – O Nissan Leaf somou 82 pontos em 100 possíveis.
Impressões ao dirigir
Conceito na prática
Aos poucos, a imagem dos veículos elétricos vem mudando. Os primeiros modelos que chegaram ao mercado eram vistos como carros sem graça, que tinham como únicas atrações os fatos de serem silenciosos e não consumirem combustível. Não se pensava neles como carros capazes de injetar adrenalina em quem está ao volante. No convívio com o Leaf, no entanto, é fácil descobrir um lado mais lúdico. E não é no joguinho de economia, em que se ganha folhinhas verdes ou barrinhas mais altas quanto mais eficiente for a condução. É pelo lado esportivo que o hatch da Nissan se mostra mais divertido.
A arquitetura do modelo favorece a estabilidade de uma forma absurda. As rodas parecem encaixadas em trilhos nos trechos sinuosos. O enorme torque instantâneo faz a cabeça ser jogada para trás nas acelerações mais vigorosas. O e-pedal, em conjunto com a marca B, ampliam a ação do freio regenerativo de forma intensa e funcionam como uma redução de marcha nas entradas de curva. Mesmo em um trajeto de serra, não é fácil achar o limite de aderência do modelo. Fazer o controle de estabilidade entrar em ação é uma tarefa árdua.
Um uso menos exploratório do Leaf deixa evidente um carro confortável, silencioso e espaçoso, mas pensado para andar em superfícies muito bem pavimentadas – o chamado carro de carpete. A suspensão não filtra muito as irregularidades e não se dá bem com buracos. Apesar de não ser uma tecnologia popularizada, o controle do modelo elétrico é simples e bem intuitivo. O objetivo dos fabricantes é mesmo aproximar o máximo possível para não causar mais estranhamento que o necessário.
Por conta disso, o Leaf é um carro bem normal, com diversos pontos positivos. O espaço interno é generoso com pernas e cabeça, os bancos são confortáveis, o porta-malas é espaçoso e ele tem os recursos básicos que se espera de um hatch médio sem muito luxo. Incomoda o fato de conteúdo e acabamento não serem coerentes com o preço de R$ 280 mil. Mas o caso é que o Leaf é um carro que defende um conceito e transfere esse ganho de imagem para quem opta por ele.
Ficha técnica
Nissan Leaf
Motor: Elétrico síncrono de corrente alternada, com limite de 10 mil rotações por minuto. Alimentado por um conjunto de 24 baterias de íon-lítio laminada com 1,67 kWh por unidade e 40 kWh no total. Controle eletrônico de aceleração.
Transmissão: Por engrenagem com relação única com inversor de fase para a ré. Tração dianteira e controle eletrônico de tração de série.
Potência: 110 kW, ou 149 cv, a 9.795 rpm.
Torque máximo: 32,6 kgfm a 3.283 giros – precisa de 0,1 segundo para ser disponibilizado.
Suspensão: Dianteira do tipo McPherson, independente com barra estabilizadora, amortecedores hidráulicos e molas helicoidais. Traseira por eixo de torção com barra estabilizadora, amortecedores hidráulicos e molas helicoidais. Oferece controle eletrônico de estabilidade de série.
Pneus: 215/50 R17.
Freios: Discos ventilados na frente e atrás. Oferece ABS com EBD e frenagem automática de emergência. Sistema regenerativo de energia configurável.
Carroceria: Hatch em monobloco, com quatro portas e cinco lugares. Comprimento de 4,48 metros com 1,79 m de largura, 1,57 m de altura e 2,70 m de entre-eixos. Possui airbags frontais, laterais e de cabeça de série.
Peso: de 1.557 kg.
Capacidade do porta-malas: 453 litros.
Autonomia: 240 km na norma norte-americana EPA e 270 km na norma europeia WLTP.
Lançamento no Brasil: 2019.
Produção: Oppama, Japão.